Assisti hoje ao filme Noé
(2014), nova adaptação do épico bíblico que narra a “odisseia” de um homem
escolhido por Deus para repovoar a Terra após sua destruição em massa a partir
do grande dilúvio, uma das narrativas mais conhecidas da história da
humanidade, ganha nova forma sob a ótica do diretor Darren Aronofsky.
E o que falar sobre Noé?
Bom, eu esperava ir ao
cinema e assistir a mais uma grande produção de uma histórica épica que me
arrepiasse e impactasse o público logo de cara, visto que a história “dá muito
pano pra manga”, no entanto, me deparei com um filme cansativo, arrastado e
estrelado por um elenco apático e que não consegue fazer com que o espectador
tenha empatia pelo filme, tão pouco pelas personagens, exceto por algumas poucas
passagens em que a atriz Jennifer Connelly consegue transpor um pouco de emoção
para a personagem Naameh – esposa de Noé –, o resto do elenco deixa muito a
desejar.
O Noé feito por Russell
Crowe é simplesmente apagado e cansativo de se ver, nem longe transpassa o sentimento
de conflito psicológico que o diretor tentou passar para a personagem no filme,
o ator parece desconfortável na personagem, reitero, então, o que foi dito na
Folha de São Paulo: “reformatar a humanidade é
demais para um ator preso a uma única expressão durante todo o filme”, é essa a
impressão que o ator nos passa, parece que ele não sente a personagem, ele não
dá vida ao Noé surtado que o diretor tenta trazer para as partes de tensão do
filme.
A tão esperada e aclamada participação
de Hermi..., desculpem, Emma Watson como Ila, filha adotiva de Noé, foi mais
decepcionante do que saber que o ator que fez “Gladiador” é tão ruim que nem
consegue se transmutar para encarnar uma nova personagem, fiquei a todo momento
esperando a menina sacar uma varinha mágica e conjurar algum feitiço. Nas cenas
em que ela deveria passar alguma emoção, vemos uma atriz apática e sem
expressão facial – nem chorar a mulher consegue, e olhe que ela estava interpretando
uma mãe que estava prestes a ver suas filhas assassinadas –, simplesmente só
pude constatar que ela é uma atriz mediana que não conseguiu se livrar do
escopo da Hermione Granger, tão bem interpretada na saga Harry Potter. Quanto
aos outros dois meninos fazem o papel dos filhos de Noé, não vou nem comentar,
tão irrelevante são suas atuações nesse filme.
Nem Anthony Hopkins se salva
nesse filme, tão mal escrito foi seu personagem, Matusalém foi reduzido a
imagem de sênior com ares conselheiro, e foi simplesmente obliterado na adaptação.
Há pontos interessantes no
filme, mas foram mal aproveitados pela direção e reduzidos pelo elenco. O
enredo, por exemplo, é bom, traz uma proposta de inovação na releitura do
clássico bíblico, apresentando o que seria um Noé mais humanizado, que lida com
conflitos de ordem psicológica e moral, porém “se
havia alguma chance de criatividade no roteiro, estava na loucura crescente de
Noé durante sua missão, mas Crowe é incapaz de demonstrar tanta sutileza”
(Folha de São Paulo).
Outra passagem
que me chamou a atenção foi quando o protagonista conta para a sua família a
história da criação do mundo, a passagem é acompanhada de cenas que vão
recriando imageticamente as história contada por Noé, aí sim, a sacada do
diretor do interessante, pois, ao passo que ele vai contado a cena (re)conta,
de maneira bem interessante, a teoria criacionista coadunando-a à visão
evolucionista, dando a entender ao espectador que todo o processo evolutivo,
defendido pela ciência, foi obra das mãos divinas, relacionando, assim, a visão
científica à teocêntrica. Outra coisa interessante, e que segue esse mesmo
percurso, é que os animais, que adentram na arca, são, nitidamente, seres “pré-era-glacial”,
admitindo, mais uma vez, a correlação entre as teorias criacionista e
evolucionista.
Contudo, o
que mais irrita no filme é o fato de ser muito extenso e simplista demais para
uma história com tanta riqueza narrativa, lidar com narrativas mítico-bíblicas
é andar em terreno minado, pois você entra em uma via de mão dupla: ou se faz
um filme incrível – como foi a Paixão de Cristo de Mel Gibson –, ou incorre no
erro de fazer um filme que tenta criar demais em uma história que não permite
extrapolações, como os tais Guardiões, gigantes de pedra que seriam uma
releitura dos anjos caídos que mais parecem uma fusão do Megazord dos PowerRangers
com o Ônix do Pokémon, uma tentativa frustrada referenciar épicos como “O
Senhor dos Anéis” (vide “Ents”). Ratificando mais uma vez a Folha de São Paulo,
“com mais de duas horas, o filme vai cansando. Recorrendo a outro sofrido
personagem bíblico é preciso paciência de Jó para encarar filme épico ‘Noé’”.
Resumindo, Aronofsky
tinha nas mãos uma das maiores e emocionantes narrativas da história da
literatura mundial e acabou por cair no mais do mesmo, levando para as telas do
cinema mais um filme que tenta impactar por seus recursos visuais tecnológicos,
mas que peca no desenvolvimento de um enredo que poderia render uma grande obra
cinematográfica.
Egberto Vital
05 de março de 2014
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