Ensaio de Cores é fruto de um registro ao vivo do projeto especial homônimo desenvolvido por Ana Carolina ao longo dos anos de 2010 e 2011, em que as canções são apresentadas concomitantemente com exposições de telas pintadas pela artista, em que a cantora busca exteriorizar os sentimentos expressos nas suas músicas imprimindo-os em pinturas. “A pintura se instalou fortemente em mim em meados de 2002, pouco antes do lançamento de Estampado, um álbum tão emocionalmente conturbado, que cheguei ao ponto de criar uma tela para cada canção. Para aliviar a sensação aflitiva do registro das canções em estúdio, eu pintava para ver aquelas canções que só ouvia”, comenta Ana sobre o porquê de sentir a nessecidade em trasmutar suas canções em cores.
O show – do qual se originou o disco – segue uma estética minimalista. Ao palco, uma banda formada apenas por mulheres (Delia Fischer, Lan Lan e Gretel Paganine) que acompanha Ana tanto nos vocais quanto nos arranjos, a maioria das canções são apresentadas em formato acústico. O repertório mescla grandes sucessos da cantora com canções inéditas, bem como releituras de canções de outros artistas, a exemplo de Lenine, Djavan, Chico César, Tom Zé e, inusitadamente, Leandro e Leonardo.
É um disco intrigante, todavia, trilha-se sobre uma estrada de mão-dupla, de um lado toda a versatilidade de uma artista que se desdobra múltiplas facetas – a compositora, a instrumentista, a cantora, a intérprete e a artista plástica –, com um repertório diversificado e heterogêneo, logo colorido, coerente com a proposta do projeto. De outro lado, percebemos uma Ana Carolina meio que opaca, bem menos explosiva e visceral do que aquela do Estampado – crua, tocando de um jeito meio que revoltado, “cabelão” vermelho desgrenhado, jogado ao vento –, transpondo um sentimento claustrofóbico naquilo que está cantando. O que se seguiu nos álbuns subsequentes, anteriores ao Ensaio de Cores.
Porém, destaque deve ser dado às inéditas As telas e elas e Você não sabe, que trazem em seu cerne uma Ana Carolina mais crua, mais próxima da que se vê em Hoje eu tô sozinha, Vestido Estampado e em O Cristo de madeira, bem como nas interpretações de Todas elas juntas num só ser, de Lenine – em que se percebe uma Ana mais Ela é bamba –, e no medley que une Chico César, Tom Zé e Leandro e Leonardo, em Feriado / O amor é um rock / Entre tapas e beijos – em que vê a irreverência de Implicante, Nêga Marrenta e Cantinho. A versão de Azul, de Djavan, tocada apenas ao baixo elétrico, deu um tom mais seco à canção, no entanto muito singular. Quanto à Força Estranha, de Caetano Veloso, é indiscutível a perfeição a interpretação, em termos de potencia vocal e segurança, peculiares a Ana, o mesmo não se pode dizer de Rai das cores, também do baiano, que se tornou monótona e enfadonha, em alguns momentos chega a ser inaudível.
Quanto a Problemas, música inédita gravada em estúdio – tema de um dos pares românticos da novela global Fina Estampa – pode-se dizer que é uma música radiofônica (aqueles chicletes midiáticos), e que cumpre muito bem esse papel, porém possui uma letra que deixa muito a desejar. Apesar de possuir uma melodia bonita a canção se desloca do resto do repertório do disco. Arrisco dizer que ela beira o “brega”, no seu sentido mais pejorativo. O mesmo pode-se dizer de Stereo, composição de Ana em parceria como seu “erasmo”, Antônio Villeroy, que além de se destoar do repertório do disco, está muito distante das grandes composições feitas pela dupla, uma música chatinha e que discute de maneira forçada a questão da bissexualidade, que se aloca a léguas de distância de Homens e Mulheres.
Posto isso, ainda não me arrisco a dizer que Ensaio de cores é um disco ruim, porém não é bom, muito menos seria a obra-prima de Ana, que já se desdobrou em obras mais complexas e completas. O que posso dizer é que, muito distante do antológico Estampado – que explodiu com cores vibrantes e incandescentes –, ou até mesmo do intimista Dois Quartos, o Ensaio de Cores, de Ana Carolina, encerra-se em tons pastéis e opacos.
Egberto Vital
02 de fevereiro de 2012
Concordo com você em vários pontos de sua crítica. Texto muito bem construído!
ResponderExcluirAna é uma cantora ímpar no cenário da música atual. A qualificação, às vezes natural, às vezes técnica, ou aliança entre os dois, deixou de ser um ponto importante na formação e sucesso de um bom artista atualmente.
A cada disco que ela lança, vejo um aperfeiçoamento vocal e instrumental, porém, sem composições de grande impacto, como já fizera em canções como "O avesso dos ponteiros", "Que se danem os nós","Hoje eu tô sozinha", "Vestido estampado", "Carvão", entre dezenas de outras músicas, as quais passaria um dia comentando. Gostei tanto da sua crítica, no geral, que sugeriria que você fizesse uma análise das demais obras da artista. Sou apaixonado por algumas faixas do disco, que são regravações de outros artistas ("Todas elas juntas num só ser", "Azul" e "Força Estranha"), que realmente são diferenciadas, por transparecerem a personalidade dela, sem vínculo com as originais.
A única coisa que me chamou atenção negativamente, neste cd, foi a ausência de mais canções com a autoria de Ana Carolina, visto que, em outros discos as composições foram, quase que na totalidade, da cantora.
Ela tem insistido muito na "tecla" do bissexualismo, o que acaba ficando repetitivo, e, nesse ponto, você tem razão.
Para não ficar muito cansativo o comentário, acho que o título que você propôs ao post não é justo. O CD "Ensaio de Cores" é repleto de cores e luz, e encanta qualquer um que escute atentamente as faixas. Vocalmente, ela está perfeita! É nítido o amadurecimento que ela obteve nesses anos. Tenho orgulho de ser fã de uma cantora do gabarito da mesma.
De fato, estampado foi o melhor até hoje até que surja algum álbum que prove o contrário. Porém, não desmereço o Ensaio de Cores. Penso eu, que devemos caminhar junto com a evolução, assim como todo ser mortal, Ana também muda, gostos, experimentações e etc. Em Ensaio de cores, ana ensaiou e deu certo. Não é preciso cabeleira vermelha, revoltos, gritos e letras milimetricamente com teor de fossa, pra gente não reconhecer a Ana Carolina. Não existe música ruim, até nas letras mais bobinhas como Entre tapas e beijos e Stereo, ela revoluciona, ironiza e faz acontecer e fica super ouvível ! E digo mais, Ensaio de Cores é o que mais aproxima do Estampado.
ResponderExcluirEu nunca me propus a uma análise semiótica de Ana Carolina, que diga uma crítica... Que diga uma sinterização desta visão sobre este gênero! Achei o texto bem trabalhado e com bons argumentos. Assim como você tive um grande apego ao estampado, já o dois quartos (é dois quartos ou três quartos?) pude ouvir uma faixa aqui ou ali, na época estava fugindo de Ana pois ela me traduz muito, e eu não estava para sentimentalismos. Quanto a esse novo trabalho ainda não tive a oportunidade de acompanhar mas mediante esta sua resenha sinto-me curioso.
ResponderExcluirParabéns pelo texto amigo