Não há união quando a liberdade é tolhida: uma reflexão sobre o real valor da Campanha da Fraternidade

Eu sempre me irrito quando todo ano é lançada a Campanha da Fraternidade, que na verdade deveria se chamar Campanha da Hipocrisia. A proposta da CNBB é a luta pela igualdade, mas sabemos, muito bem, que esta luta não existe quando tratamos dos grupos cristãos – com todo respeito a quem professa uma religião Cristã, mas sinto a necessidade dessa reflexão –, pois o que percebemos é que as altas camadas do poderio cristão lutam por interesses escusos, estritamente particulares e segregadores. Eles não lutam pela liberdade do indivíduo viver a sua identidade. Como eles podem dizer que lutam por isso se vivem atacando o que é diferente a eles, se vivem atingindo o que vai de encontro aos tradicionalismos preconceituosos disseminados por eles há séculos?
Aí vem a Campanha da Fraternidade, com a proposta de união, de amor, de caridade, e outras tantas falácias. Por algum acaso a CNBB defendeu a questão dos gays no casamento e na adoção de crianças? Defendeu a liberdade de culto e a união entre toda, e qualquer, religião? Os direitos reais da mulher viver suas particularidades e escolhas são defendidos em sua totalidade, sem que a mulher seja associada à imagem Eva pecadora? Um Umbandista ou Espírita pode professar sua religião sem ser associado ao Demônio ou coisas do tipo? Bispos ligados à CNBB já afirmaram que a causa da pedofilia é a homossexualidade, isso é justo? A "todo poderosa" Igreja Católica é contra o uso da camisinha numa época em que a AIDS mata milhares de jovens. A CNBB é contra a redução da maioridade penal em tempos em que pessoas são mortas por jovens, tidos como menores infratores, que já sabem muito bem o que fazem quando atiram em um pai de família para roubar o pouco dinheiro que seria para o sustento de uma família.
É dessa maneira que Campanha da "Fraternidade" luta para unir as pessoas? Não une, não unem, as religiões cristãs, não unem, elas segregam, o indivíduo não pode ser sujeito de sua identidade.
Aí veem as igrejas cristãs dizerem que lutam para salvar as pessoas perdidas no mundo. O que eles entendem por pessoas perdidas no mundo? Um casal gay que adota uma criança para dar amor e tirá-la das ruas, dar uma FAMÍLIA a ela? Um Umbandista que respeita sua fé e a vive intensamente tal qual um Católico, um Espírita, um Evangélico? Uma mulher que se entende como sujeito e vai de encontro aos preceitos misóginos de uma sociedade machista, e por isso é relegada aos estereótipos sociais que a colocam na categoria de pecadora, por transgredir aquele status quo? Eu não compreendo o que é entendido por pessoas perdidas. Por que todos os exemplos que citei as Igrejas afirmam que são pessoas que vivem fora da “palavra de Deus”.
Usam, eles, o termo Fraternidade sem nem saber o seu real sentido. Um termo que está ligado à LIBERDADE e à IGUALDADE é distorcido, porque está lá na Declaração Universal dos Direitos do Homem que todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e de consciência e devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade, entendida aqui como o direito do homem viver sua dignidade, de maneira que todos são iguais e tem assegurados todos os seus direitos no que concerne a contextos políticos, sociais, étnicos, religiosos e individuais.
Os grupos Cristãos estão longe de praticarem a Fraternidade, pois eles agridem o direito de liberdade das pessoas viverem sua identidade. Por tanto, a luta por igualdade e união, no contexto da Campanha da Fraternidade, não existe. Como pode haver união se o diálogo é amordaçado?
Se for pela caridade e solidariedade – como erroneamente é entendido o termo fraternidade, pois o seu significado é radicalmente diferente –, a religião que mais pratica a caridade é o Espiritismo, pois seus preceitos são baseados na ajuda ao outro, atinge-se a evolução espiritual a partir da caridade, e mesmo assim é tomada como uma religião demoníaca que se volta contra os ditames divinos. A questão é que os grupos Cristãos não respeitam a liberdade de individualidade, bem como não sabem o que é Fraternidade. Um exemplo bem próximo, o Encontro da Nova Consciência em Campina Grande. Unia todas as religiões. O que aconteceu, os grupos cristãos saíram e criaram o Encontro da Consciência Cristã, onde está a união aí? Tá vendo que é uma coisa a se refletir? De que maneira eles estão praticando a Fraternidade? Não há união quando o diálogo é calado, logo não há fraternidade quando o direito à liberdade e igualdade é tolhido.
Desculpem o longo desabafo, espero que ninguém tenha se sentido atingido diretamente, até porque a discussão aqui é sobre um sistema, pois eu precisava refletir sobre o verdadeiro valor da Campanha da Fraternidade, uma vez que ela é promovida por um grupo religioso que não respeita o indivíduo em sua plenitude.



Egberto Vital
09 de março de 2011

Um comentário:

  1. O maniqueísmo parece estar ligado às raízes do Cristianismo, basta lembrar que existe uma doutrina no Catecismo da Igreja Católica que afirma: “A igreja católica é a ‘Arca de Noé’ e fora dela não há salvação”. OS luteranos, por sua vez, tiveram um início baseado na perseguição aos anabatistas e no anti-semitismo [o que, inclusive, levou os neonazistas a utilizarem um dos livros de Lutero como instrumento de embasamento ideológico – Livro este proibido no Brasil].
    Em sua poética da diversidade Édouard Glissant levanta uma questão interessante: “Como ser si mesmo sem, desconsiderar o outro?” Responder e viver esta pergunta seria o início de uma civilização e o fim da barbárie.

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