As nuvens de que me trato neste post são o suporte dos belíssimos textos do Professor Antônio de Pádua Dias da Silva, escritor e pós-doutor em Letras, ele é, atualmente, professor da Universidade Estadual da Paraíba.
Um dia me disseram que as nuvens não eram de algodão, este é o título do riquíssimo compendio de contos homoeróticos publicados por ele em 2007, pela Editora Universitária da UFPB. Autor de outros livros de contos como Sobre rapazes e homens (2006) e Abjetos desejos (2009), o professor Pádua tem se posicionado como uma das figuras mais importantes quando o assunto é literatura homoerótica. Pesquisador do assunto o professor tem contribuído para a ampliação dos estudos em torno da literatura e estudo de gêneros, é professor dos programas de pós-graduação da Universidade Estadual da Paraíba, o qual abriga o Mestrado e o Doutorado em Literatura e Interculturalidades.
Já tive a oportunidade de ler dois dos livros de Pádua, o Sobre Rapazes e Homens, seu primeiro livros de contos, e o que apresento para vocês hoje. Decidi falar sobre Um dia me disseram que as nuvens não eram de algodão, pois é o livro que mais gosto, até porque o ganhei de presente do próprio autor, que fez uma dedicatória belíssima. É o livro que mais me tocou, acho que pelas emoções contidas em seus textos, a final, os contos apresentados nesse livro conseguem cumprir um papel catártico muito interessante, pelo menos para mim, acredito que passei por uma experiência vicária lendo esta obra – esse tipo de experiência, a grosso modo, acontece quando vivenciamos as experiências contidas em vivências de outrem.
O livro é dividido em três partes, que metaforizam o nível dos sentimentos expressos pelos contos contidos em cada uma delas, como se as tensões fossem aumentando seguindo uma progressão lógica.
A primeira parte recebe o título Nuvens de algodão (Umidade relativa do ar: mínima), trata-se de textos que tematizam as singelezas do amor, do encontro entre os iguais, do desejo homoerótico, do beijo, do amor à primeira vista, dos sortilégios da paixão, das dificuldades de viver o desejo gay. Destaque deve ser dado ao conto “O caso da cueca” – que faz intertexto com o poema O caso do vestido, de Carlos Drummond de Andrade –, o conto narra a história de um casal que tem o seu casamento levado às ruínas após o marido trair a mulher com um homem mais velho, as marcas da traição ficam estampadas, em vermelho, numa cueca que é posta em um quadro na sala para sempre lembrar o homem do momento que os levara à destruição do seu casamento, uma história que lida com o rancor da mulher e a vergonha do marido.
No entanto, as nuvens se tornam carregadas, cinzas, pesadas, o céu se prepara para a tempestade, e entramos na segunda parte do livro, Nuvens carregadas (Umidade relativa doar: temporal), em que começam a ser revelados os tormentos vivenciados pelos sujeitos nas narrativas, a ideia do arco-íris cor-de-rosa é quebrada e as questões que circundam a realidade do gay são postas sobre a mesa e revelam o quão pode ser tempestuosa a vida daqueles sujeitos, Tratado acerca da agonia ilustra muito bem as tensões presentes nos contos que compõem esta parte do livro, neste conto a saudade é o centro das emoções, um homem se vê entregue a outro que não mais está presente, pelo menos fisicamente, mas permanece em seu ser como uma ascaridíase, como uma tênia que vive parasitamente consumindo o seu corpo, o seu eu, e a única saída para esse ser é a morte, e ele o faz, atravessa a sua barriga com uma faca, é belíssima a imagem do corpo escorregando pela parede até atingir o chão, e terminar com um balbucio que revela o nome do amado. É aí que, então, a tempestade se torna um verdadeiro tsunami e inicia-se a terceira, e última, parte do livro, As nuvens não eram de algodão (Umidade relativa do ar: tsunami), e posição do gay na sociedade é posta em questão: as violências sofridas, os traumas, as dificuldade de se viver a plenitude de sua identidade, de sua verdade. Destaco o mais belo dos contos presentes no livro, pelo menos em minha visão, Rendez-Vous que conta a história de uma travesti assassina por se entregar completamente à paixão, é muito bonita a forma como o autor descreve o corpo estendido no chão, a maquiagem sendo borrada pela chuva, o vermelho do sangue se confundindo com o vermelho do vestido, e os olhos, sem brilho, abertos, como se tivessem parado no tempo para registrar o último momento dela, que “amou daquela vez como se fosse a última”.
Amar demais, ser sujeito do amor e viver por ele, este é o problema que leva as personagens das tramas escritas por Antônio de Pádua ao degredo, à morte, à vergonha, à auto aniquilação, os sujeitos presentes nesses contos refletem, de uma maneira belíssima e muito forte, a verdadeira posição do gay na sociedade, os textos são verossimilhantes a uma realidade que muitas vezes é maquiada pela sociedade, que tenta ocultar o diferente e colocá-lo num local que ninguém possa vê-lo.
Um dia me disseram que as nuvens não eram de algodão é um livro corajoso, que cumpre um papel fundamental na literatura contemporânea, o de levar para o discurso artístico-literário a voz das minorias, de indivíduos relegados aos enrustes de uma sociedade que não os vêm como sujeitos de sua identidade. É um livro para ser lido e vivido.
Egberto Vital
19 de fevereiro de 2011
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