Minha mãe me ensinou a ouvir Elis Regina
O meu pai, Roupa Nova
Eu busquei por Sandy e Junior
Thiago me apresentou Ana Carolina

Hoje, vejo o funk carioca ganhar o mundo
Se tornar ambíguo e antitético
Viaja entre o feminismo, criminalidade e ostentação

O forró das festas de São João
Na voz de Elba, Amazan e Marinês
Foi invadido pelas guitarras
Da estilização do Sertão
Transformando nossa música
Em um emaranhado de ilusão

O cantador que cantava a lua
Hoje é rotulado de brega
E a sanfona do mestre Lua, deu lugar ao rock’n’roll

Sobrevivi,
Estou aqui contando a história
De um Sertão cosmopolita

Esquecido pela Nação.

Egberto Vital
13 de maio de 2014

Saudade

Lembro-me do chão de terra
Na minha linda São Vicente
Quando toda a gurizada se juntava
Para caçar tanajura
Pra vender pros véi da rua numa garrafa de Coca
Pra comprar bola de gude
O pião rodava louco
E eu tentava aprender a torina
Que os meus colegas faziam com tamanha primazia
O colchão mijado na calçada
A secar ao sol pino
Enquanto Dona Zefinha
Lavava as roupas de mainha
Saudade dos lerões
Do sítio de Terezinha
Onde íamos todos os domingos
Com Dona Amélia e companhia
Lembro-me das romarias
Na casa de minha avó
De brincar de baleada
Bola de gude e totó
O meu pai fumando Derby
Minha mãe ouvindo Elis
O sítio que ficava em frente à minha casa
Hoje não existe mais
A fogueira de São João
Onde acendíamos o chuveirinho
Eu ouvindo Sandy e Junior
Nos tempos de adolescência
Esse caos cosmopolita
Roubou toda a minha infância
Não vejo mais as lavadeiras
Pegando água no chafariz
A zoada das carroças
No meu belo Araçá
Foi calada pelo som do forró estilizado
Não ouço mais na rua
O som de Flávio José e Amazan
Saudade daqueles tempos que tempo corrompeu
As crianças que vejo hoje
Fazem o quadradinho de oito
A inocência do meu tempo
Resumiu-se à ostentação
De ritmos sulistas que invadiram o Sertão
Calando os cantores que eu ouvia em oração
Saudade dos tempos que comia buchada
Na casa de minha avó
E a via matando galinhas
Para o almoço dominical
Nesse tempo a política
Não rompia corações
Não desunia amigos
Não afastava os irmãos
Saudade da minha Esperança
Dos tempos da minha infância
Do chão de terra batida
Que foi engolido pelo asfalto
Do progresso involutivo
Que me dilacera o coração.
Egberto Vital
13 de maio de 2014
Não existe poesia na superfície das letras
Tampouco nas regras de metrificação

Vejo a poesia
Quando minha cachorra sorri para mim
Não latindo              
Mas de braços abertos
Mostrando-me o quão humano
Pode ser o sorriso de um animal

A poesia está no corpo do homem que amo
Quando trocamos fluidos
Quando o gosto amargo do seu corpo
Atravessa minhas papilas gustativas
E me preenche com o amor
Dos líquidos que ele fabrica
Quando tornamo-nos um só

Não há poesia na superfície estrelada das letras
Tampouco em rimas engessadas
De canções supostamente populares

A poesia está na ponta dos meus dedos
Atravessa riso, rio e falange
E escoa livre e marginalmente
Por minha trama neural

A poesia está impressa no meu colchão
Quando termino, completa e desfalecidamente
Mais um ato sexual
A poesia está no baixo-material

Não há poesia na superfície congelada das letras
Tampouco é para ser decassílabamente construída

A poesia está no beijo do homem que amo
Está no perfeito encaixe de nossos corpos
Que antropofagicamente
Nos faz humanos
Nos faz um  do outro

Não há poesia na superfície camoniana das letras.



Egberto Vital
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